12/12/2014

O roceiro de Limoeiros

Já ouviu falar em Limoeiros? Limoeiros era uma comunidade muito alegre, unida, onde todo mundo se amava e era feliz e sorria e fazia festa e era lindo e vivia junto e tinha muito orgulho de ser assim desde sempre.
Alguns membros de Limoeiros resolveram se aventurar pelo mundo, buscar outras experiências, e saíram da comunidade. Fisicamente, apenas. Porque emocionalmente, uma vez de Limoeiros, sempre de Limoeiros!

Três dos membros da comunidade decidiram tentar a vida na roça. Primeiro foi um, conhecido como Roceiro. Depois, um casal: o Lenhador e a Lenhadora. Ficaram muito unidos no início, seguindo a tradição de Limoeiros. Capinavam juntos, cortavam cana juntos, cuidavam do pasto juntos. Depois de um tempo, cada um assumiu seu sitiozinho e, com tanta coisa para fazer, acabavam quase não se encontrando. No início, os 3 vendiam cana-de-açúcar juntos. Depois, o casal optou por trabalhar com fabricação de queijo, enquanto o Roceiro partiu para o plantio de hortaliças.
No tempo em que estavam juntos direto, tanto pelos laços de Limoeiros, quanto pelo trabalho que faziam conjuntamente, se estranharam algumas vezes. O Roceiro e o Lenhador, amigos de infância, se entendiam do jeito deles, muitas vezes sem dizer qualquer palavra. Já a Lenhadora, que conheceu o Roceiro quando se apaixonou pelo Lenhador, tinha um pouco mais de dificuldade de compreender algumas atitudes do Roceiro.
Certa vez, o fogão à lenha da casa do casal parou de funcionar. Ficaram horas tentando consertar e nada. De repente, chega o Roceiro já dizendo “eu percebi que parou de sair fumaça daqui e vim ajudar. Trouxe lenhas e minhas ferramentas”, e já começou a mexer no fogão. Só que ele era muito atrapalhado. Derrubou o leite que estava em cima do fogão, deixou cair um martelo no pé da Lenhadora, botou mais lenha do que o fogão suportava e, por fim, com tanta lenha, acabou quase botando fogo na casa inteira. Imagine a fúria da Lenhadora...
E fez outras tantas trapalhadas. Tipo deixar o portão do casal aberto, possibilitando a fuga do cachorro deles. Subiu no telhado para pegar uma pipa e quebrou umas 15 telhas. Quase atropelou o casal com sua charrete... O Lenhador achava normal, botava tudo na conta do jeitão do amigo. A Lenhadora, em certo momento, chegou e pensar que ele fazia essas coisas de propósito. Não era possível uma pessoa tão desastrada!

Enquanto isso, em Limoeiros, a vida seguia daquele mesmo jeito feliz de sempre. Os 3 iam até a comunidade sempre que podiam. Juntos e/ou separados. E, eventualmente, alguém da comunidade ia até a roça visitá-los. Apesar de a estrada entra a roça e a comunidade ser de mão dupla – ou seja, a mesma distância e a mesma facilidade entre os dois pontos – os 3 iam mais para Limoeiros do que recebiam membros da comunidade.

Há anos a NASA havia enviado um alerta de que um meteoro poderia cair sobre Limoeiros. Não puderam precisar a data, nem as consequências da queda do meteoro. Apenas publicaram a notícia em seu site. Alguns achavam que era lenda urbana e faziam até piada. Outros nem leram a notícia porque não sabiam falar inglês – idioma em que a notícia fora publicada. Quem realmente se preocupou com o evento não sabia o que fazer. Afinal, quem teria o poder de desviar o curso de um meteoro?
Ninguém.

Chegou o fim de semana. Em Limoeiros, todo mundo junto, feliz, sorrindo e se amando. Na roça, os 3 curtiam uma roda de viola no quintal, sob a luz das estrelas, com um 4º membro da comunidade que havia se mudado há pouco. De repente, a previsão se cumpriu da pior forma possível. O meteoro se partiu em milhares de pedaços, que caíram sobre a comunidade e atingiram também a roça em cheio. Devastou a comunidade. Destruiu a roça.
Em Limoeiros, muita gente ferida, casas destruídas. Aquela alegria deu lugar ao desespero. Acabou a luz na comunidade. No escuro, pessoas corriam de um lado para o outro, buscando socorro, procurando feridos. Se esbarravam, gritavam. Alguns conseguiam, mesmo se arrastando, ajudar os que pareciam em pior situação. E foram se amparando. As ambulâncias chegaram. Muitos enfermeiros, medicamentos, água, macas começaram a aparecer. Mesmo assim teve ferido que, de tão desorientado, ficava correndo sem destino e gritando de desespero, pisoteando gente que mal conseguia se levantar por conta dos machucados.
Quando amanheceu, a luz do sol possibilitou a identificação dos estragos. Algumas casas ficaram irrecuperáveis. Teve gente que chegou a perder os movimentos. Teve gente que ficou em estado de choque e não conseguia fazer nada – nem se ajudar, nem ajudar os outros. Mas a comunidade era muito unida. Então aqueles medicamentos foram distribuídos e os atingidos iam amparando uns aos outros.

Na roça o estrago também foi grande. Os 4 (os 3 + o recém-chegado) foram atingidos em cheio. Ao perceber que o casal estava bem machucado, o Roceiro (mesmo sangrando) pegou seu cavalo mais veloz, botou o casal em cima e correu com eles para a comunidade. Sabia da importância de estarem em Limoeiros. Não só para que se medicassem, como também para que pudessem tomar ciência do estrago feito na comunidade e, consequentemente, ajudar os demais membros.
O 4º Elemento (aquele novo morador da roça) foi parar numa estrada de terra um pouco distante dos 3. Não conseguiu ser resgatado pelo Roceiro, como aconteceu com o casal. Mas, felizmente, foi encontrado por vizinhos atenciosos que o levaram para casa e cuidaram de seus vários machucados.

O tempo passou.
Em Limoeiros, alguns habitantes ficaram com sequelas irreversíveis. Uns cegos, outros surdos. Uns com dificuldade de locomoção. O susto foi tão grande que deixou alguns catatônicos, com baixa capacidade de discernimento, vivendo uma realidade paralela, acreditando em verdades que nunca existiram como, por exemplo, que a explosão do meteoro foi uma chuva de estrelas. Ou que não se tratava de um meteoro, mas de um cometa.
Só que a comunidade é muito unida, como já foi dito e re-dito e re-re-dito e todos fazem questão de reafirmar. Todo mundo se ajudou e Limoeiros virou uma grande rede assistencial, onde um medicava o outro, um dava banho no outro, um dava de comer ao outro, um limpava as feridas do outro, um ouvia pacientemente as sandices do outro. O casal da roça, capengando e cheio de curativos, ia todos os meses para ajudar também.

Na roça, mesmo ferido, o Roceiro ia quase diariamente na casa do casal para trocar curativos e levar mais medicamentos. Aquele cara atrapalhado e controverso, que por vezes desafiou a paciência da Lenhadora, se tornou um talentoso enfermeiro. Ajudava até a fabricar os queijos enquanto os machucados das mãos do casal não saravam!

Se alguém daquela comunidade unida apareceu para ajudar a medicar o pessoal da roça? Bem... Como já dito, a estrada que ligava a roça a Limoeiros era a mesma. Só que não apareceu ninguém não. Mandaram umas caixas de remédio – alguns já vencidos, inclusive. Cartas foram enviadas uma meia dúzia de vezes. Nelas, todo um relato do estado clínico dos membros da comunidade e, lá na última linha, uma pergunta escrita a lápis: “Os ferimentos dos moradores da roça estão sarados?”. Em seguida, as opções “Sim” e “Não” para serem assinaladas, sem espaço para justificativa da resposta.

Hoje a comunidade vive bem, em sua maioria. Algumas casas foram reconstruídas, as festas voltaram a acontecer e os que ficaram com sequelas da catástrofe estão adaptando sua rotina conforme suas limitações e reaprendendo a viver.
O quarteto que vive na roça segue fazendo suas rodas de viola ao redor da fogueira, com os donos dos sítios vizinhos. Às vezes caem uns temporais e a cantoria não acontece. Aí eles esperam a lama secar e fazem tudo de novo. O Roceiro ainda cuida do casal – quando chega medicamento vencido, por exemplo, ele joga a caixa fora e compra outra igualzinha pro casal não se sentir mal ao perceber que mandaram produto fora da validade. Só que ele é tão atrapalhado que sempre um dos dois lenhadores acaba achando a caixa velha no lixo. E o casal finge que não viu e que acredita que aquele remédio novinho foi mandado pela comunidade.

Aquela caixa velha, com a validade ultrapassada, poderia despertar tristeza, ressentimento. Afinal, a comunidade de onde eles saíram toma todos os remédios e manda só o que sobra para a roça. Ainda por cima, sem possibilidade de uso. Mas o casal prefere ver nela a representação do cuidado fraternal que o Roceiro dedicou quando eles mais precisaram. E é isso o que importa. E salve Limoeiros!


*Atenção, Roceiro: Isso não quer dizer que você vai quebrar mais 15 telhas do casal, ok? A Lenhadora te mata!

25/10/2014

Criativa TPM Furiosa

Quase 3 anos sem publicar aqui, gente! Noooossa...

Nesses 3 anos, um monte de coisa aconteceu, mudou, se transformou, acabou, começou... Uma das poucas coisas que permaneceram praticamente na mesma, após 3 anos, foi a minha TPM. Sim, sofro disso. Não, não cuido disso. E não cuido porque não quero, odeio tomar remédio e seguir receitas/dietas. E acho que no fundo, bem lá no fundo do meu cérebro, fica o desejo de não matar a TPM por causa dos benefícios que ela me traz.

Explico: na TPM eu fico mais criativa, tenho mais iniciativa, vontade de realizar, fico mais sensível, mais sincera. Tá, essas mesmas características que me beneficiam, também prejudicam. Ao menos algumas delas.

A sensibilidade é física e emocional. Meus sentidos ficam todos mais apurados.
Se o Maradona peidar na Argentina e for época daquelas frentes frias que vêm de lá pro Brasil, capaz de eu sentir aqui.
Fica impossível assistir qualquer comédia romântica sem chorar.
Por outro lado, sou capaz de abraçar um inimigo carente. Ou de cortar relações com um amigo que não cumpra algo que combinou comigo.

A sinceridade... Bem, essa já costuma me acompanhar cotidianamente. Só que com a idade e em algumas circunstâncias, assumo que tenho engolido muito mais sapos e equilibrado mais a exposição das minha verdades. Mas na TPM ela fica meio que sem freio, o que é muito bom para quem consegue suportar as consequências de ouvir algo que vá contra suas expectativas. Do contrário, é sincericídio na certa! Minha opiniões saem do meu cérebro e vão para a minha boca mais rápido que um espirro! E aí rendem muita gargalhada, discussão, gratidão e/ou raiva.

A iniciativa também é uma faca de 2 gumes. Se por um lado, aquela lâmpada que tá queimada há 2 semanas é trocada de uma hora pra outra e ainda aproveito a escada pra organizar aquela zona que se formou lá em cima do armário, por outro uma rosa pode gerar divórcio. Porra! Não sabe que ODEIO rosa?! Não me conhece o suficiente? Então não me merece...

E como passar por isso sem causar uma hecatombe? Aaahh, aí é questão de administração. Sabedoria adquirida.
Uso a sensibilidade para provar um prato novo e evito situações emocionais com pessoas de quem gosto.
A sinceridade fica difícil administrar. Então evito DRs (discussões de relacionamento) e tento direcionar mais para o lado do humor, que, por sinal, fica afiadíssimo.
Realizar algum projeto mais complexo ou tomar alguma decisão mais séria... O início do processo pode até se dar na TPM, aproveitando os rompantes de iniciativa, mas a conclusão precisa esperar o fim dessa semana. Afinal, vai que a sensibilidade abre a porta para a raiva e a decisão é pautada pela ira? Melhor não arriscar.

Enfim, a TPM me trouxe de volta pro blog. Se os posts forem feitos somente em uma semana por mês, já sabem... Melhor maneirar nos comentários.